Fiat Uno 1.4 enfrenta Chery Face 1.3



Pelo preço do Uno 1.4 quase basicão dá para levar o Face 1.3 completo, até com airbags e ABS


Ivan Carneiro
Fiat Uno e Chery Face

Está cheio de gente querendo um iPhone 4, a mais nova geração do celular da Apple. Nos camelôs é possível encontrar o Hiphone 4, uma versão “xing ling” que custa até dez vezes menos e vem com recursos adicionais. “É uma réplica, só que sintoniza TV digital e aceita dois chips com números diferentes”, explica a vendedora chinesa. Faço um rápido teste e vejo que o sistema é lento, a tela tem resolução baixa e o que parecia bacana de longe não tem o mesmo impacto de perto. Fora que o brinquedinho não dá pinta de que vai durar muito... Agradeço a atenção, mas obrigado, vou conferir o original.

Na volta ao trabalho, encontro uma chave de VW na minha mesa. “Quem esqueceu uma chave de Fox antigo aqui?”, anuncio na redação. Daí pego a chave e olho mais atentamente: ela tem o logotipo da Chery. É do Face de teste que havia chegado. Lá vem mais uma cópia, pensei, depois de ter acelerado o “dublê de Rav4” Chery Tiggo. Ao encontrar o carrinho na garagem, entretanto, vejo uma face inédita. O design é italiano, do estúdio Bertone, e não copia nenhum outro modelo. Embora não tenha muita personalidade – coisa que os coreanos só começam a ter agora –, o visual é simpático e certamente vai ajudar o Face a mostrar sua cara por aqui.

Para quem ainda não ouviu falar (o carro está nas lojas desde agosto), o Face é a grande aposta da Chery para o Brasil. Com 40 concessionárias, a marca espera emplacar 4 mil carros apenas neste ano. Além do preço de briga, R$ 31.900 sem frete, o compacto chega com garantia de três anos e anuncia revisões com valor fixo – gratuita a 2.500 km, R$ 149 aos 10 mil km e R$ 249 aos 20 mil km. O seguro ficou na média do segmento, em torno de R$ 1.500. O chinês promete, portanto, ser barato de comprar e de manter.

Ivan Carneiro

Mas o melhor do Face está no recheio: ar-condicionado, direção, duplo airbag, ABS, trio elétrico, CD player com entrada mini-USB, rodas de liga e até sensor de estacionamento (com aviso sonoro e visual) são de série. E o frete? Em São Paulo encontramos o Face a R$ 32.900 (R$ 1.000 extras), valor que subiu para R$ 33.490 no Rio de Janeiro e Bahia (R$ 1.500 de frete).

Diante dessa oferta, imagino que você deve se lembrar do Hiphone 4: vale a pena? E a qualidade? Bem, nessa mesma categoria você encontra o Fiat Uno Attractive 1.4, de R$ 31.360, que vem com a segurança de uma marca mais do que estabelecida e líder de vendas no Brasil – certamente uma garantia de melhor valor de revenda. Mas para deixar o Fiat no mesmo patamar de equipamentos do Chery, a conta sobe para R$ 40.132, com a vantagem de um sistema de som mais elaborado (tem Bluetooth e entradas USB e iPod). É uma diferença considerável, ainda mais em se tratando de carros compactos. O jeito então foi reunir os dois hatches para ver no que dava.

Não sei se fui esperando pouco do Face (talvez pela má impressão que o Tiggo me deixou), mas a verdade é que ele representa um passo adiante na evolução chinesa. Apesar de alguma diferença nos tons de pintura, a carroceria é bem montada: há pouco espaço entre as chapas, e as borrachas são bem fixadas, diferente do Tiggo fabricado no Uruguai. A impressão também é positiva na cabine. Há plásticos rígidos, como é regra na categoria, mas sem rebarbas ou partes que não se encaixam. As portas (e até as colunas centrais) são forradas por um tecido macio, de padronagem clara, mesmo tom que reveste os bancos. Faz mais o gosto europeu (brasileiro prefere tons mais escuros, como cinza e preto), mas esse não é o maior problema. Ruim é que sobra tecido em algumas costuras do banco. E falta padrão na montagem. Nosso carro tinha espuma do banco do motorista firme (desconfortável até), enquanto a do passageiro era de densidade bem mais macia.

Ivan Carneiro

Duro na Queda

Interessante é o freio de estacionamento largo e plano, como se fosse parte do acabamento interno. Destaque também para o quadro de instrumentos bonito e vistoso, com sua iluminação azul (deveria ser permanente, pois o quadro é profundo e fica escuro mesmo de dia). Há cuidados como regulagem elétrica de altura dos faróis e iluminação no porta-malas, além de pintura envernizada no cofre do motor – coisa rara hoje em dia. Apesar do banco duro, o volante regula em altura (pouco, mas regula) e a posição de dirigir é boa.

Existem até algumas lições para ensinar ao Uno, como repetidores laterais de seta e comandos dos vidros elétricos na porta (e são para todas as janelas, ao contrário do Fiat, que só tem nas dianteiras). De modo geral, porém, o Uno é um carro de projeto bem mais evoluído em termos de acabamento, montagem e ergonomia.

Famílias são mais bem-vindas no Fiat. O Chery até conta com bom espaço para as pernas e a cabeça no banco de trás, mas é estreito. Também mais curto, o Face tem porta-malas menor: 182 litros, ante 238 l do Uno, ambos aferidos por Autoesporte. Mas o que realmente incomoda os passageiros do modelo chinês é a suspensão. Com um arcaico eixo rígido na traseira (eixo de torção no Fiat), o Face é duro e não tolera ruas esburacadas. Cada imperfeição no asfalto é uma pancada transferida aos ocupantes, além da barulheira de plástico rangendo na cabine. E é melhor não abusar da velocidade, pois o carro quica nesse tipo de piso e não transmite segurança. A direção também precisa de melhor acerto: é lenta e imprecisa nas manobras.

Macio nos buracos, o Uno inclina nas curvas, mas é muito mais obediente às ordens do motorista. Falta progressividade aos comandos do Face: o acelerador é leve até meio curso, depois endurece; a embreagem tem um pouco de curso morto e o freio demora a responder (embora tenha ido bem nos testes). Ainda assim, o chinês não decepciona ao volante. O motor 1.3 16V de 84 cv é suave mesmo próximo do limite de giros e entrega boa força em rotações médias, com torque de 11,4 kgfm entre 3.500 e 4.500 rpm. O câmbio tem engates fáceis, ainda que secos.

Ivan Carneiro

A esperteza apresentada no trânsito se confirmou na pista de testes, onde o Face conseguiu números bem melhores que os divulgados pela fábrica. Com 12,9 s de 0 a 100 km/h, ele acelerou mais rápido até que o rival, com 13,1 s. E olha que o Uno é mais potente, com 88 cv, e mais leve. O Fiat levou vantagem nas retomadas por conta do maior torque (12,5 kgfm a 3.500 rpm), porém, o motor Acteco (parceria da Chery com a austríaca AVL) tem funcionamento mais silencioso e refinado que o Fire 1.4 em todas as condições. No Uno, a vibração do motor é tanta que, parado no trânsito, você consegue ver o retrovisor interno tremendo.

Como a relação da quinta marcha do Face é longa para melhorar a economia (3.400 rpm a 120 km/h), é preciso reduzir para quarta nos aclives da estrada – o Uno requer menos reduções, mas reclama com 3.700 rpm a 120 km/h. E apesar de ainda não beber etanol, o Chery cravou ótimos 12,8 km/l de gasolina na cidade, número que o Uno não alcança mesmo com gasolina (fez 8,3 km/l com etanol). A marca chinesa promete uma versão flex para o segundo semestre de 2011.

Quando os coreanos chegaram ao Brasil, pouca gente imaginaria que em 2010 eles seriam objetos de desejo, como o iPhone 4. Os primeiros carros chineses estavam mais para Hiphone 4, mas não é o caso do novo Chery. Se o Face ainda não tem força para bater o Uno, ele ao menos surge como uma opção a ser considerada.

Moral da História

Se a vitória do Uno era, de certo modo, esperada, a surpresa ficou por conta da boa impressão deixada pelo Face. Comparado aos primeiros chineses que chegaram por aqui, como o Effa M100 ou até ao Tiggo (da própria Chery), o Face mostra uma grande melhora em termos de montagem e acabamento - embora ainda tenha um caminho a percorrer. Também apresentou bom desempenho e ótimo consumo, frutos do motor mais moderno que o do Fiat. Ainda assim, falta melhor acerto da parte mecânica, principalmente da direção e suspensão. O preço é atraente, mas o Face não chega a ser um negócio da China. A boa notícia? Os chineses estão evoluindo.


Ivan Carneiro

3 comentários:

Filipe disse...
24 de fevereiro de 2011 às 22:56

O Face é o meu carro de desejo, que por enquanto só po$$o realizar em 2012. Espero que até lá melhorem a suspensão =]

L. F. O. Martins disse...
2 de março de 2011 às 06:10

Seria muito bom se as imagens (fotos) pudessem ser ampliadas…

Torres-sys disse...
6 de dezembro de 2012 às 03:08

Comprei um Face a gasolina e estou prestes a retirá-lo na agência. Fiz o teste drive, conversei com alguns proprietários, pesquisei na net... estou ansioso pois gostei muito do carro! Apesar das notas negativas que as vezes vejo. Acho que me atenderá bem.
Além de tudo tem todos os utilitários que queria e a um preço justo.
Muito bom seu post...

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